sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Reflexões acerca do aborto no Brasil - Respostas


Fiquei feliz ao ler seu texto, boas colocações, apesar de não concordarmos na maioria delas. Pois bem, achei justo respondê-lo de maneira o mais sincera possível, ainda que possa chocá-lo, por isso, vou precisar mais que algumas linhas e acho que nada do que será escrito aqui substituiria uma boa conversa.
Logo no início do seu texto você critica a falácia da opinião majoritária. Acho válido o que você colocou, apesar de achar os seus exemplos pouco felizes, pois as minorias que você cita têm direitos garantidos por lei, advindos de um estado democrático (“A ditadura da maioria”). A questão levantada: seria o aborto um direito, uma questão de saúde pública, ou como está: um crime? Vou preferir me restringir ao caso do Brasil, já que aqui é onde a gente vive e é aqui onde uma possível mudança na legislação pode acontecer em breve.
Acho que para falar de aborto eu tenho que expor meus princípios, pois ainda que eu contrarie uma opinião alheia, posso ser entendido em minhas convicções. Primeiro vou falar um pouquinho de questões feministas em relação ao aborto, depois vou discutir a implicação da definição do momento que se inicia a vida numa perspectiva moral. Falo ainda, brevemente da questão da mulher e finalmente vou coloco a questão da mortalidade das mulheres devido aos abortos clandestinos, questionando alguns dados apresentados.


Penso que uma das raízes desse problema começa com uma filosofia moderna que tem coisas muito boas, no entanto, consegue desgraçar infinitas coisas: cito em questão o feminismo (que possui várias vertentes). Não sou contra a defesa dos direitos das mulheres estudarem, trabalharem, serem bem sucedidas nas suas vidas, respeitadas em sua dignidade, etc. No entanto, quando se toma o conceito de gênero (que é fundamental para o desenvolvimento desta filosofia e/ou ideologia) começa-se a deturpar muitas coisas. Nesta visão, o comportamento do gênero feminino (e não do sexo, que é algo biológico) é apenas um padrão cultural, isso mesmo, APENAS um padrão cultural. Por exemplo, o senso de maternidade que a gente ouve falar desde mil novecentos e guaraná com rolha é apenas um padrão social imposto. Isso pra mim é um sincero absurdo, haja vista que uma mãe tem isso no seu próprio instinto. Cabe aqui falar que na ânsia de ser “igual” ao gênero masculino, a maternidade é um entrave a esta dita“igualdade entre os gêneros”. O direito ao aborto é uma necessidade para a mulher não ser presa a um filho ou a um padrão social, tendo assim, os mesmos “direitos” do homem. Aqui eu não estou pondo minha opinião, estou apenas listando algumas coisas que já li sobre o feminismo, não escrito por outros, mas pelos teóricos dessa corrente de pensamento. Eles citam isso de forma bem explícita, apesar de não ser necessariamente a questão envolvida para maioria das mulheres que fazem abortos: fatores psicológicos e restritivos de liberdade são um dos grandes definidores desta atitude. No entanto, muitos dos defensores do aborto usam o discurso feminista, seja “eufemisado”, seja direto.
Pelo que você escreveu, creio que não é adepto dessa visão, mas acho que consegue perceber que muitos dos fundamentos que são usados para defender o direito ao aborto têm sua gênese neste conceito. É claro que eu não posso reduzir a questão do aborto apenas neste ponto, afinal já existiam abortos antes do feminismo e vão continuar havendo.
A questão seguinte é crítica, e você cita no seu texto a questão do INDIVÍDUO: Onde começa a vida do ser humano? Apesar de ser urgente, é muito difícil de ser respondida, porém, é básica para se ir mais fundo em implicações morais. A partir do momento que se define onde começa a vida humana, quer seja por qualquer parâmetro, uma série de implicações éticas e morais são desencadeadas, e não há como fugir disto. Do ponto de vista puramente biológico, a vida se inicia na concepção no momento que o espermatozóide se encontra com o ovócito. Pode-se achar essa definição em qualquer manual de embriologia.
Muitos questionam essa visão por diversos motivos: usando o seu argumento de “indivíduo”, ou ainda, a personalidade jurídica de um nascituro, etc. Aqui eu acho que cabe uma reflexão simplificada, mas creio que pode ser elucidativa. Quando vemos uma borboleta todos nós nos admiramos das suas cores, etc. Se eu mato a borboleta todos ficam muito consternados pela situação, ainda mais se ela for de uma espécie rara. Entretanto, tenho certeza que a grande maioria seria indiferente caso eu matasse a lagarta ou a pupa da borboleta, pois elas estariam em fases de desenvolvimento não tão belas a quem vê. No entanto, a espécie é única, independentemente se ela é pupa, lagarta ou borboleta. No Brasil, destruir um ovo de tartaruga azul é crime inafiançável, já que independentemente da fase, o embrião no ovo é de tartaruga azul, animal ameaçado de extinção. Posso, a partir desse paralelo, fazer uma comparação com o tal “aborto até três meses (12 semanas)”, pois aí o feto não sente dor, não tem sentidos, é disforme etc. Esse tipo de aborto parece mais palatável, exatamente pelo mesmo motivo: não vemos um rostinho infantil, daí não nos constrange matar o feto, tal qual, não me constrange matar a lagarta. Esse efeito pode ser observado e verificado nas clínicas legais de aborto, onde feto abortado não é mostrado à mãe, inclusive, a mãe não vê ultrasonografias, pois a maioria desiste do aborto quando se depara com a figura da criança. Quando nós “não vemos”, o coração não sente. Só que isso tem uma implicação pesada: teríamos que caracterizar a fase embrionária como um momento em que não se é homem, não se é humano, pois se fosse, teria direito à vida.
Nem eu nem você somos da área do direito, mas como leigos, poderíamos discutir ainda que de modo superficial sobre isso. O novo código civil brasileiro diz:
“Art. 2° - A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”.
Ainda não existe legislação específica sobre o nascituro, então, ficamos apenas no campo do meu “achismo”. Fui dar uma pesquisada sobre a declaração universal dos direitos do homem e encontrei essa escala de valores, quanto aos direitos humanos. Essa escala é importante, pelo fato de lidarmos com os dois direitos em choque – o da mãe e o do feto.
De um ponto de vista jurídico-legal: Sendo o direito à vida um direito de 1ª geração (o direito a não intervenção estatal – à vida, à liberdade, à igualdade e à propriedade), ele se sobrepõe a qualquer legislação de país (inclusive a outros direitos humanos, ditos de 2ª geração: o trabalho, a educação e a saúde). A ordem destes direitos não é ocasional, é proposital, um se sobrepõe ao outro. Como exemplo, um preso ainda que privado de liberdade, tem direito à vida. Acho que nesta parte do texto, cabe umas horas de conversa sobre isso (o que seria liberdade e igualdade?), mas como aqui é só um email, deixemos para um chá com biscoitos. Então, dentro dessa escala de valores e direitos precisamos caracterizar aquilo que é ou não passível de defesa numa situação extrema.
Levando-se em conta que por algum motivo seja necessário fazer o aborto, esse fetos seriam os dos não passíveis de direitos. No grupo dos não passíveis entram os anencéfalos, aqueles que possuem anomalias graves, fetos frutos de violência sexual, etc... todos eles são outro um tipo sub-humano, já que eles são diferentes de outros, que gozam do direito à vida (Isso é duro até de escrever, mas infelizmente é verdade). Até aqui eu não entrei em mérito disso ou daquilo, só estou seguindo a linha de raciocínio: se é um ser humano, tem direito à vida.
A questão de quando começa a vida foi levantada no Brasil, porém, não ficou definida no STF, no episódio do julgamento do uso de células-tronco embrionárias para fins de pesquisa: se eu defino que a vida humana começa na concepção, várias “coisas” passam a ser inconstitucionais (descarte de embriões humanos frutos de fertilização in vitro, pílula do dia seguinte, DIU, aborto em qualquer circunstância...). Não se definiu o início porque as pessoas não se questionem a esse respeito, o grande problema é a implicação dessa decisão jurídica (você citou, inclusive, isso quando falava de indivíduo – mas não sei se você se refere à vida, ou é um conceito mais complicado na sua visão). Se quisessem poderiam ter dito, olha só é ser humano após a nidação, ou ainda, só é ser humano se estiver no útero materno com o tubo neural formado, e por aí vai. Avalie o quanto isso é crítico, e tem implicações tão sérias que não foi colocado na pauta do julgamento, que já era por demais polêmica.
Pra falar a verdade, eu acho que quase todo mundo concorda que a vida humana tem início estrito na concepção, mas admitir isso gera todo esse imbróglio, a não ser que partamos para um relativismo moral. Admitindo o início da vida na concepção, pelo menos na esfera pessoal, faz com que o indivíduo reavalie, de maneira, ainda que indigesta, várias de suas concepções, mesmo que ele tenha que decidir entre o direito da mãe ao aborto (equilíbrio emocional da mulher) ou do filho à vida (existência biológica), já que o direito à vida, em uma escala de valores e direitos, “seria” superior aos outros.
Talvez possa se argumentar aqui que o direito à liberdade é violado, já que a mulher seria escrava de uma condição de procriadora, parecendo que estamos na idade média, mas há um ponto sutil a ser dito, excetuando-se o caso de violência sexual, uma mulher tem uma certa autonomia sobre seu corpo por meio do planejamento familiar, e quando se lê o relatório da ONU sobre o número de abortos no mundo fica evidente que o grande número de abortos ocorre pelo não uso de nenhum método para evitar a gravidez (seja ele natural ou não)... A maioria delas é pobre, que por vezes, não tem acesso à informação – nem falo métodos contraceptivos, digo informação mesmo.
A política de prevenção à gravidez precoce no nosso país não parece ser tão efetiva, porque em grande parte só se centra na questão do sexo seguro, mas não no sexo responsável. Um pouco de reflexão mostra que qualquer que seja o método usado para se evitar a gravidez, sempre haverá a possibilidade de uma gravidez, ou seja, a vida sexual também implica uma responsabilidade que é intrínseca a ela mesma. Isso ninguém fala, não é objeto de campanha, a responsabilidade é colocada apenas como o uso do preservativo, mas isso não é suficiente. Hoje você vê crianças de 12, 13 anos iniciando sua vida sexual sem qualquer reflexão mais profunda, e todo mundo acha lindo. Porque eu digo isso? Sabemos que é comum que um casal tenha uma relação sexual sem o uso de métodos que evitem a gravidez, isso de fato, acontece. Pergunte a qualquer pessoa dessa terra se ele nunca teve um tipo de relação sexual assim. Isso é só porque ela é irresponsável, não, não apenas por isso. Mas daí a achar que essa gravidez indesejada é passível de aborto é um salto estratosférico em minha opinião. Que cada um tenha a vida que quiser levar, sabendo que conseqüências existem para todos os nossos comportamentos. Na África, o número de mulheres que morrem é bem maior que na América Latina, evidenciando-se o fator pobreza. Até os “açougues” daqui conseguem ser melhores que os hospitais de lá. Ainda sim, seria justo sanear o problema da pobreza eliminando os pobres?
Parando aqui para fazer um resumo: quando eu defino onde a vida de um ser humano se inicia, sou obrigado até por questões lógicas e de coerência a defender a vida a partir deste momento, e qualquer coisa que atente contra a vida é passível de rejeição. Isso é basicamente a posição do catolicismo, mas que não vejo problema em ser a opinião de um ateu, protestante, judeu, sei lá... já que ela não carece de argumentos de cunho religioso, e uma moral não precisa se basear num contexto religioso. Mas essa é uma opinião apenas, tem zilhões diferentes no mundo, cabendo uma reflexão.
Ainda falta citar mulheres vítimas de abuso sexual, que apesar de ser a minoria é o caso que mais nos sensibiliza: quando analisamos os dados percebemos que eles são em número bem inferior aos casos comuns (veja os relatórios anuais da ONU sobre população), e para tal, o Brasil já tem uma legislação específica é inclusive muito “flexível”. Não é necessário um boletim de ocorrência para fazer a “interrupção de uma gravidez”, eufemismo comumente usado para o aborto neste caso. Basta declarar-se estuprada na presença de dois profissionais de saúde e assinar um termo de compromisso, considerando a confiabilidade das respostas da declarante (Portaria 1508 do MS). Essa portaria foi aprovada com a justificativa que a mulher em sua fragilidade depoisde um estupro, não ia à Polícia registrar a ocorrência e, por isso, recorria ao aborto clandestino. Agora deixa de haver dois problemas (o estupro, a questão sobre a vida do feto) para três: ajunte-se o fato do agressor continuar solto e tranqüilo, afinal não é necessário fazer a denúncia. A intenção pode até parecer boa, mas no fim é pior que a encomenda.
Pra falar a verdade, antes dessa lei a burocracia levava a mulher a ter que abortar um feto com mais de três meses, todo formado, apenas crescendo na barriga da mãe. Mas como sabemos, estamos no Brasil, e uma coisa é a lei linda e perfeita, outra, bem diferente é a realidade. Eu entendo perfeitamente a mulher que após uma comoção como esta rejeitar a maternidade, até porque foge da sua vontade, aí sim, seu direito a liberdade foi violado. Mas apesar disto, não deixa de ser aborto, entende. É aborto. As circunstâncias são infinitamente diferentes, entendo, mas não deixa de tirar o direito de um inocente (e quer queira quer não ele é inocente de toda essa desgraça). Há um argumento forte que diz que a mulher vendo o rosto do seu filho nunca superaria o trauma sofrido daviolência: possivelmente. No entanto, milhares de casais dariam muita grana para receber um filho recém-nascido, já que este é o tipo de adoção mais procurada, apesar de ser dificílimo encontrar recém-nascidos em orfanatos. Podemos ainda argumentar que de um casal desejoso de um filho planejado pode nascer uma besta quadrada e de um estupro, e uma conseqüente adoção, uma grande pessoa. Só coloquei esta última colocação, pois acabo me questionando, quanto vale a vida de alguém? A vida de um ser, fruto de um estupro, vale menos que a minha vida? Honestamente, acho que não. Que se argumente encima do pós-parto, da dor da mãe que são argumentos justíssimos, mas não que a vida dessa criança valha menos que a vida de quem quer que seja.
Eu já usei o SUS alguma vez na minha vida, e honestamente, você já ouviu falar de alguém que faz acompanhamento com psicólogo no SUS? Tipo, terapeuta semanal? Se existe, me avise. Pois eu só ouço falar de psicólogo em hospital psiquiátrico ou hospital de alta complexidade, tipo um Hospital das Clínicas, de Base e etc. Normalmente os hospitais carecem de clínicos gerais, avalie psicoterapeutas. Poderíamos ainda argumentar, não é porque o sistema é uma bosta que não devemos autorizar a legalização do aborto: mas se olharmos as seqüelas que as diversas mulheres se submetem ao aborto passam por causa disso, e sem auxílio psicoterápico, não sei se isso se justificaria. E aqui fica difícil comparar a realidade de outros países com a nossa. A Rússia faz mais abortos que partos naquele país, nem sei se as mulheres de lá sofrem tanto, já que a cultura é totalmente diferente da nossa, mas se aborto for tomado como contraceptivo o mundo estará perdido.
Bem, eu me centrei até agora na criança e falei pouquíssimo da mulher, que é a outra parte envolvida nessa história: seja após o estupro ou por outra circunstância. Quero gastar outras linhas pra falar disso também para não ser parcial demais, apesar de defender o embrião com mais argumentos por achar ele a parte mais indefesa nesta discussão toda. A mulher que se dispõe a fazer um aborto no fundo é uma mulher profundamente fragilizada e sem dúvida, desamparada: seja pelo seu parceiro, seja pela sua família, seja por sua condição social. Neste caso, o apoio a esta mulher é uma questão de direito social e não caridade. O Estado brasileiro fala em direito da mulher que tem uma gravidez indesejada, mas não se preocupa com isso, não se preocupa com direitos mínimos de apóio a mulher grávida. No Congresso Nacional tramita o estatuto do nascituro, que entre as propostas, pretende que caso a mulher estuprada deseje levar adiante a gravidez, e o pai não possa ser identificado, o Estado tem uma obrigação de auxílio econômico, psicológico para com essa mãe. Do jeito que se encontra, eu deixaria a lei como está até hoje, afinal retirar direitos de alguém é muito difícil de ser conseguido, e seria o mal menor. Ao contrário, fortaleceria as políticas de ação por parte do Estado no caso de mulheres que cheguem a uma gravidez indesejada. Para a maioria dos defensores do aborto, as mulheres são números, mas quem lida com elasdepois de terem feito o aborto percebem as profundas seqüelas psicológicas fruto de uma falta de atenção psicológica e social antes dessa atitude drástica.
Eu gostaria que existisse uma pesquisa a respeito do seguinte: Quantos de seus filhos foram realmente planejados e quantos foram fruto de um acaso? Eu acho que você vai concordar comigo, o número de não planejados será infinitamente superior ao de planejados. Poderia me surpreender com o resultado, mas poderíamos perceber que não esse CONTROLE sobre tudo, parcialmente sim, totalmente não. Casais ricos, instruídos, bem educados passam por esta situação dia a dia. O aborto nesta perspectiva é um método contraceptivo.
Após a concepção, o zigoto sofre sucessivas divisões e leva em média uma semana para se fixar na parede do endométrio, caso este reúna condições viáveis a uma gravidez. Neste período, a mãe não dá nada ao zigoto, nada mesmo além de proteção, ele se desenvolve totalmente independente até que haja a nidação. Já possui todas as características genéticas em seu conjunto de centenas de células. Em minha visão, é outro ser humano na sua fase embrionária. Já não é uma só mulher, são dois seres envolvidos, e no conflito de direitos me parece moralmente bom optar pela vida. Aqui sei que existem infinitas críticas a este meu argumento, mas quando eu peso as coisas, não consigo pensar diferente. Aqui parto para uma reflexão pessoal, sempre gostei de ler sobre este assunto, ele é fascinante, e é claro opiniões que defendem o direito ao aborto. Já tentei defendê-lo, pois seus questionamentos são os de todo mundo, mas toda vez que eu ia um pouco mais a fundo eu achava as considerações pouco profundas o que levaram a ler outras coisas. Talvez minha fé influa nisso, mas eu me sinto confortável com essa convicção, apesar de parecer uma batalha de Davi e Golias. Só acho que principalmente na questão de dados sobre o aborto, como você lerá abaixo: todos, sejam os pró-vida, sejam os pró-aborto devem ser intelectualmente honestos. Eu leio muita coisa pró-vida de gente que exagera muita coisa, não sou assim, mas leio coisas pró-aborto no mesmo nível: extremos não ajudam ninguém. Por exemplo, quanto aos dados de morte materna devido ao aborto clandestino sempre fico um pouco pé atrás, porque são sempre estimativas e não entendo como esses cálculos são feitos com seus fatores de correção (valeria até sua ajuda nisso). Já que as estatísticas só são oficiais para os abortos legais, fica difícil estimar quantas mulheres morrem ou não por causa do aborto (leia abaixo a questão da curetagem). Por fim, quando relativizamos demais nossos princípios acabamos por construir uma moral utilitarista que só beneficia a mim e não carece de esforço. Se fosse discutida a questão do aborto no Brasil, no mínimo, o governo federal deveria investir o mesmo dinheiro que investe nas pesquisas pró-aborto nas pesquisas pró-vida, só assim chegaríamos a uma verdade consensual, agora quando só um lado é esfregado na cara das pessoas, é mais fácil aprovar o que se quer.
Pois bem, muitos números são utilizados para justificar a legalização do aborto, tratando-o como tema de saúde pública. Nessa parte do texto eu vou colocar um trecho de uma entrevista que li e achei muito boa, acho que fala melhor que eu. A pesquisa da Dra. Débora Diniz pode ser considerada pioneira no campo da estimativa do aborto no Brasil, como ela própria cita em seu artigo (http://www.scielo.br/pdf/csc/v15s1/002.pdf) vale ler pra entender a reflexão abaixo, que não é minha.

O Fantástico e o aborto: assim não, companheiros! Ou: não se compensa penúria ética de uma tese com números fabulosos - Reinaldo Azevedo | VEJA.com

A propósito do post acima: o Fantástico levou ontem
(01/08/10) ao ar uma longa reportagem que fez a defesa sub-reptícia da legalização do aborto, embora não se tenha tocado nessa expressão em nenhum momento. Escolheu-se o chamado método do terrorismo didático: convencer pelo horror. Câmeras escondidas flagraram clínicas clandestinas e carniceiros variados para evidenciar que, proibido embora — exceto em caso de estupro e risco de morte da mãe —, o aborto é feito à larga. O corolário restou subjacente: se é assim, a proibição é uma hipocrisia e se legalize de vez a prática para preservar a saúde das mulheres. A tese é ruim. Que outras ilegalidades deveriam ser tornadas legais já que a gente não pode mesmo coibi-las totalmente? Levada a tese ao limite, em vez de combater os criminosos, as sociedades deveriam legalizar o crime. Tudo seria da lei. Voltaríamos ao estado da natureza. E deixo de barato que a defesa da “saúde da mulher” ignore, no caso, a vida do feto.
Uma tese ruim irrita, sim. Mas o mais constrangedor da reportagem, depois do método didático-terrorista, é a manipulação desajeitada de supostas estatísticas ou pesquisas, o que levou o site do Fantástico a cravar em seu site, na manchete: “Uma em cada cinco mulheres já fizeram aborto no Brasil”. De onde saiu tal formulação?
De uma pesquisa realizada por um grupo da UnB. Com voz muito pausada, sílabas escandidas de indignação cívico-militante, óculos que anunciam “sou uma pensadora”, a antropóloga Débora Diniz explica o que segue (leiam com atenção):
“A pesquisa nacional de aborto, cobriu todo o Brasil urbano, que são as capitais, e as grandes cidades, ou seja, ficou de fora o Brasil rural, porque não podíamos incluir mulheres analfabetas. As pesquisadoras entraram na casa das mulheres, com uma urna secreta, as mulheres de 18 a 39 anos, elas recebiam uma cédula que constava de cinco perguntas, e uma delas é, ‘você já fez aborto?’. O que nós sabemos é que uma mulher em cada cinco, aos 40 anos, fez aborto. Significam 5 milhões e 300 mil mulheres em algum momento da vida, já fizeram aborto. Metade delas usou medicamento, nós não sabemos que medicamento é esse; a outra metade precisou ficar internada pra finalizar o aborto. O que isso significa? Um tremendo impacto na saúde pública brasileira. Quem é essa mulher que faz aborto? Ela é a mulher típica brasileira. Não há nada de particular na mulher que faz aborto”.
É evidente que se trata de um discurso em favor da legalização do aborto. Ocorre que a fala da antropóloga é um queijo suíço, que só convence os incautos:
1 - Qual é a cientificidade de sua amostragem?
2 - Qual é o tamanho da amostra?:
3 - Quer dizer que “todo o Brasil urbano são as capitais e as grandes cidades”? Quem disse? Segundo qual ciência?
4 - Todas as mulheres do campo são analfabetas?
5 - Se a antropóloga confessa que o Brasil rural ficou fora da “pesquisa”, então é mentira que uma em cada cinco mulheres já fez aborto. Como posso afirmar isso? Ora, é ela quem afirma quando confessa que sua amostra não representa o Brasil.
6 - Se o mal enxergado pela intelectual da voz pausada é o impacto na saúde pública, seria menor tal impacto no caso da legalização? Um aborto legal dispensa a curetagem ou a sucção?
7 - O que a doutora Débora entende por “mulher típica brasileira”? Ainda que fosse verdadeiro o chute de que uma em cada cinco mulheres entre 18 e 30 anos já fez aborto, isso significaria, então, 20% do total. Com a devida vênia, doutora, a “mulher típica” é aquela dos 80% que não fizeram, certo? Por mais que a senhora tente transformar o aborto numa banalidade como “me passa o açúcar”, ele continua, até na sua pesquisa, uma exceção.

Defender a morte de um feto é difícil, reconheça-se. Por isso essa gente gosta tanto de estatísticas e números. Um dado fornecido por uma pesquisa do pesquisa do Instituto do Coração, da USP, foi considerado “espantoso” pelo Fantástico:
“Entre 1995 e 2007, a curetagem depois do procedimento de aborto foi a cirurgia mais realizada pelo SUS: 3,1 milhões de registros”.
Querem ver como, às vezes, falta ao editor ou puxar as orelhas dos repórteres ou usar calculadora que faça apenas as quatro operações (já nem digo ler o conjunto da obra em busca de incongruências)? 3,1 milhões de curetagens em 13 anos dão uma média de 238.461 procedimentos por ano. Atenção! Perguntem a especialistas da área e eles lhes dirão: 25% das gestações resultam em abortos espontâneos.
Acrescentando ao texto dela:
O aborto é uma patologia muito freqüente no ser humano. Desde o momento em que a mulher percebe que está grávida, ou seja, em que tem um atraso menstrual e o teste de gravidez dá positivo, a taxa de abortamento fica em torno de 15%. No entanto, se considerarmos período anterior ao teste positivo, porque demora algumas semanas para isso acontecer, esses números podem chegar a 30% ou 40%.
Nascem, por ano, no Brasil, mais ou menos 2,8 milhões de crianças.
Vamos supor, meus caros, só para efeitos de pensamento, que não houvesse um só aborto provocado no Brasil: aqueles 2,8 milhões seriam apenas 75% das gestações — ao todo, elas somariam 3,73 milhões. REITERO: VAMOS FAZER DE CONTA QUE NÃO EXISTEM ABORTOS PROVOCADOS. Ora, só os abortos espontâneos chegariam, então, a 930 mil por ano. Como INEXISTE NOTIFICAÇÃO NOS HOSPITAIS PARA DISTINGUIR CURETAGEM DECORRENTE DE ABORTO ESPONTÂNEO DE CURETAGEM DECORRENTE DE ABORTO PROVOCADO, chega-se à conclusão de que os quase 240 mil procedimentos são um número “espantoso”, sim, Fantástico: ESPANTOSAMENTE BAIXO!
Se encontrarem furo lógico aí, cartas para o blog!

O número significa ainda mais — e mais grave: o SUS não tem, então, estrutura para atender nem mesmo os casos de abortos espontâneos. Imaginem o que poderia acontecer, então, com um aumento da demanda em caso de legalização.
As pessoas defendam o que bem entenderem. Faço o mesmo. Não gosto é que tentem me iludir com estatísticas furadas, que não resistem a uma conta de dividir e a uma regra de três.
O que me incomoda na defesa da legalização do aborto é que se tenta compensar a penúria ética da tese com números. E números, lamento, podem auxiliar na criação de uma moral, mas não a substituem.
Ora, tenham a coragem, então, de defender o aborto como “um direito” e ponto final! Poder ser horrível, mas é, ao menos, intelectualmente mais honesto. E sem essa de chamar militante de “especialista”. Militante só é especialista da própria causa.

Dra. Lenise Garcia
Dra. Em Microbiologia - UnB

Esse atrito entre as duas é porque Débora é declaradamente a favor da descriminalização do aborto e a interpretação de seus dados é claramente direcionada à questão do aborto como tema de saúde pública e como um direito feminino. Ajunte-se o fato do Brasil ter mais de 16 milhões de analfabetos funcionais na pesquisa mais recente do IPEA (FONTE).
Demasiados abortos (idem)
Este foi o título de um Editorial do jornal espanhol El Pais, em 10 de dezembro de 2008, em que comentava que o aborto é “percebido por muitos jovens como um método anticoncepcional de emergência, quando é uma intervenção agressiva que pode deixar sequelas físicas e psicológicas.” O jornal mostrava a preocupação com o grande aumento do número de abortos, depois de uma lei mais permissiva, na Espanha.
A pesquisa recentemente publicada no Brasil sobre números do aborto merece também sérias reflexões. Foi dirigida e interpretada por pessoas que defendem a descriminalização do aborto, mas dados são dados, e certamente é possível analisá-los por outros ângulos, como faço aqui.
O âmago do problema consiste no aborto em si, sendo falsa a dicotomia entre aborto clandestino “arriscado” e aborto legal “sadio”, pois nenhum aborto é saudável, nem ética, nem social, nem psicologicamente. Se o aborto é o problema, o aborto não pode ser a solução.
O enorme número detectado mostra uma chaga social, e traz muitos questionamentos. Fica evidente, pelas estatísticas e pelos depoimentos, a futilidade, até frivolidade, que envolve muitos casos. Vê-se o aborto sendo usado como método de controle de natalidade, por pessoas que poderiam perfeitamente arcar com a manutenção e educação de mais um filho. Isso indica que, se legalizado no Brasil, o aborto seguiria uma escalada similar à que aconteceu em outros países, como a Espanha, ou como a Rússia, na qual há mais crianças mortas no ventre das mães do que nascidas vivas.
Vê-se também a facilidade de acesso a medicamentos abortivos proibidos, e a clínicas clandestinas, sem que as autoridades tomem nenhuma providência. A conivência governamental, e fortes indícios do envolvimento de entidades estrangeiras que promovem o aborto no Brasil, fornecendo aparelhagem e treinamento a profissionais de saúde, foram as justificativas apresentadas por vários deputados que solicitaram a criação de uma CPI para investigar o aborto clandestino no Brasil. Criada ao final de 2008, a CPI até agora não foi instalada, pela resistência das lideranças dos partidos da base governista, que se recusam a indicar membros. O financiamento público da pesquisa agora publicada mostra que o governo deseja mostrar apenas parte dos fatos, e não o seu conjunto.
Os números refletem também o baixo investimento no aspecto mais importante: a prevenção da gravidez indesejada, que só se pode conseguir com educação e o favorecimento de uma vivência da sexualidade consciente e responsável.
Todos os números apresentados são muito válidos, mas as interpretações são questionáveis. A questão dos números fica até fácil falar com você, um número absoluto não faz sentido, a menos que comparemos com outros resultados. Por exemplo, o MS disponibiliza valores de mortes maternas no DATASUS, no entanto eu não achei o número muito grande. Talvez é um problema com a estatística do SUS. Noutro site, achei o número de mortes maternas em hospitais. No site você pode ver o método de cálculo, as limitações do método, o tal do fator de correção e a dificuldade de dizer se uma mulher morreu após um aborto, já que os dados não levam em conta se a gravidez é desejada ou indesejada, se o aborto é espontâneo ou provocado e por aí vai. Há algum problema com os números ou eu não entendi (o que é bem possível), pois o número de óbitos após abortos sejam legais ou não, me parece baixo, comparado com as estimativas dos estudos apresentados, pelo menos no Brasil. Apesar dos números não mudarem o fato de algo ser moral ou não, estou aberto a ouvir considerações sobre isso, pois me interessam demais.
São tantas as nuances do tema aborto, que eu poderia ficar escrevendo páginas e páginas sobre isso, mas acho que não é produtivo. Acho que minha visão é considerada pela maioria das pessoas como retrógrada, mas me sinto desconfortável pensando diferente. Não dá pra trair meus princípios, respeito plenamente as visões diferentes, mas só chegaremos a um consenso quando os dois lados forem ouvidos de maneira equânime. Seria muito bom se todo mundo tivesse a mente suficientemente aberta para ver outras visões sem preconceitos, mas sei que é difícil, até pra mim o é. De ambos os lados, tanto os pró-vida quanto os pró-aborto podem chegar a uma conclusão. A verdade (que pra mim não é um contexto relativo), e que pode não estar comigo, é a coisa mais fantástica a qual podemos chegar. Com esse consenso alguns direitos serão suprimidos em relação a outros, mas tudo isso faz parte deste embate ético e sobre um juízo de valores.

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